Vida moderna
Há 20 anos moro num apartamento em um edifício de vinte e um andares, dois por andar. Dentre famílias, solteirões, solteironas e agregados, somam-se quase duzentas pessoas.
Desses moradores, conheço perfeitamente e troco ideias com digamos, uma dúzia. Não que seja esquizo, autista, esquivo ou coisa do gênero: são justamente os que habitam no edifício há quase tanto tempo quanto minha família.
Os demais? São estranhos em todos os sentidos.
Explico: chegam num mês ou num ano e se mudam
no outro. Não sei se devido à crise, aos valores das taxas de condomínio, a
outros projetos de vida, ou se alugaram por temporada, o certo é que é um entra
e sai inexplicável de mudanças e vais e vens.
Dá-me
vontade às vezes de entabular uma conversação com pessoas com quem cruzamos
algumas vezes nas áreas comuns, mas não, não dá: o morador também faz parte
daquela legião de viciados que não largam o celular, preferem se comunicar
pelas redes sociais do que pessoalmente.
De
repente entro ou saio do elevador e topo com uma cara nova que nunca vi. Um
estranho. Às vezes assusta.
Outro
dia assisti na TV um documentário sobre o Edifício Copan em S.Paulo, onde a
rotatividade e a variedade da fauna humana são atípicas para moradores de
apartamentos em grandes cidades. No Copan, edifício projetado por Oscar
Niemeyer na década de 50, com 35 andares e cerca de 2000 residentes, não se
consegue, claro, entabular um relacionamento nem com os vizinhos.
Ao
que parece, nesse prédio cosmopolita e recorde em número de apartamentos,
apenas condôminos mais antigos se conhecem ou conseguem manter um certo grau de
amizade.Outras amizades superficiais ou esboços de convivência social podem ser
desenhados pelas facilidades de convivência que o condomínio oferece através de
equipamentos sociais dos mais variados teores, como se fosse uma vila ou uma
pequena cidade. Em seu pátio inferior há acessos de passagens livres até para
habitantes de ruas próximas.
Bons
vizinhos que se tornam amigos agregam valores à família.
Será
que a vida moderna está imprimindo nas
pessoas uma tinta esquizo-paranoide?
Será
que a maioria dos edifícios das cidades modernas se comporta como mini Copans?
Será
que, guardando as devidas proporções e comparações, estou morando em outro
Copan e não sabia?