Suave é a noite -
(Tender is the night)
Revendo um filme cult
Se um professor de Psicologia ou
Psiquiatria quer exemplificar com detalhes a teoria freudiana do fenômeno usual
chamado de Transferência e Contratransferência, muito comum durante os
tratamentos psicoterápicos ou analíticos, mande seus alunos, ou quem de
interesse na área, assistir ou rever esse filme clássico americano da década de
60.
Na verdade a película é uma adaptação de
um livro do famoso escritor americano Scott Fitzgerald, (seu último romance
completo), que, por sua vez, teve duas fontes de inspiração: a primeira, para o
título após ler uma poesia de John Keats: "Ode a um Rouxinol". Título
aliás bem apropriado ao desenrolar do filme, vez que a maior parte se passa em
festas ou cenas noturnas em uma mansão na Riviera francesa, a Villa Diana,
provavelmente em Nice ou Cannes, pelo desenrolar do filme não se sabe ao certo
mas pela época, Cannes é mais provável.
A inspiração para o livro tem tudo a ver
com a história pessoal do próprio Fitzgerald. Zelda, sua mulher, rica herdeira de
uma família tradicional sulista americana, era o que se chamaria hoje de uma
doidivanas, ligada em festas, danças e álcool, muito álcool. Ainda por cima
tinha uma personalidade bipolar, o que lhe causou muitas internações
psiquiátricas e até um rótulo diagnóstico de esquizofrenia na década de 30.
Numa dessas internações de Zelda,
enquanto ela estava em um hospital psiquiátrico de Baltimore, Scott teve a
inspiração para o livro. Alugou uma casa próxima e completou o romance
feericamente, ajudado por sua Remington
e muitos Dry Martinis, naturalmente.
Como disse no início, o fato básico do
filme é o Transfer psicológico entre
a personagem principal, Nicole Warren, futura Nicole Diver, interpretada com
extrema sofisticação e estilo por Jennifer Jones, no auge de sua beleza, e um
psiquiatra que a trata, Dr.Dick Diver, com Jason Robards no papel, dando um
show de maturidade cênica.
Muitas cenas do filme, inclusive uma das
últimas, em que o médico desesperado pela separação, (fenômeno psicológico de
contratransferência), é preso por embriaguês, aconteceu realmente com
Fitzgerald em uma cidade italiana.
O enredo é linear, ao contrário da
versão original do livro que é repleta de flashbacks. Os flashbacks, percebidos
no filme pelos diálogos, deixam entrever uma mulher milionária, super mimada na
infância, segunda filha queridinha do papai e provavelmente algo nas
entrelinhas deixa perceber que também foi abusa por seu daddy, fato que estaria na raiz de todos os seus problemas
psicológicos: sua fortes crises de ansiedade e medo, suas regressões e até sua
fixação no Dr.Diver como a segunda pessoa do pai já falecido, amado e odiado ao
mesmo tempo.
Quando ela consegue perceber e curar essa
angustiante dualidade e fixação, por transferência, na figura do terapêuta/pai,
acontecidas após um tratamento
terapêutico e analítico com o Dr.Diver, psiquiatra de uma clínica na Suiça, após
sete anos de casamento, com algumas regressões, muitas festas na Villa da
Riviera, sustentada por seu dinheiro, acaba-se o amor, divorcia-se e mesmo sem
amar mais ninguém, une-se a um chato e bombado esportista que a persegue desde
o começo do filme.
Com o Dr.Diver acontece o contrário:
casou-se com uma paciente, mesmo parecendo não a amar, talvez só para livrar-se
de um emprego ruim e continuar um tratamento da mulher/paciente quase
permanentemente e ao mesmo tempo em que
poderia escrever sua tese sobre o tema, já iniciada mas nunca terminada.
Termina porém loucamente apaixonado e à medida que ressurge uma outra Nicole, mais
ele fica dependente dela financeira e emocionalmente e mais se apaixona por
ela, um novo e moderno Pigmalião (na
mídia, bem como na literatura, tudo pode servir de inspiração).
Tão apaixonado que despreza até a bela e
gostosa periguete e arrivista Rosemary, (Jill St. John), que dá em cima dele o
tempo inteiro.
Enfim, como deixa perceber a irmã de
Nicole, Baby Warren, a um médico aniquilado, que tem de começar sua vida do nada:
uma pessoa fraca, à medida em que se fortalece, pode destruir o forte que está
mais próximo, transformando-o em um fraco. Na verdade a mulher, ainda durante o
processo de separação, lhe ofereceu
dinheiro para que ele fosse sócio da clínica onde trabalhou. Diver porém, por
questões outras, tenta voltar a trabalhar, agora como diretor, mas não aguenta,
joga tudo para o alto. A lição final parece ser: delete tudo e comece do zero.
Se alguém não conseguiu gostar desse
tipo de filme, quase um noir, apesar
da technicolor, vai gostar da estória
subjacente do personagem Abe North (Tom Ewell), um pianista que nunca consegue
chegar ao final de sua composição principal, justamente a música tema do filme:
"Suave é a noite", outro cult musical.
A
versão com Moacyr Franco, no You Tube, é imperdível:
https://www.youtube.com/watch?v=axmaKI55bJ4
Ou
o vídeo com cenas do filme e a música tema:
https://www.youtube.com/watch?v=QOdEeGXbxFo