Numa época de enlatados, fórmulas químicas, fórmulas alimentícias, verduras em conservantes, temperos industrializados e pobreza químico-culinária, nada mais salivante que a leitura e releitura de Eça de Queirós e o degustar de sua rica descrição dos antigos pratos da cozinha portuguesa e dos vinhos ibéricos.
Assim é em “A cidade e as Serras”, um mar de saliva; Jacinto anuncia "uma festa", por causa do Grão-Duque Casimiro, que lhe ia mandar "um peixe delicioso e muito raro que se pesca na Dalmácia". Em vez de almoço, o Grão-Duque reclamou uma ceia. Serviu-se um Porto de 1834, envelhecido nas adegas do avô Galião. O primeiro serviço: consommé frio com trufas. Vinho branco, Chateau- Yquem. E esperava-se agora o "peixe famoso da Dalmácia, o peixe de Sua Alteza, o peixe inspirador da festa!". Eis que o mordomo "balbuciou uma confidência a Jacinto": o elevador dos pratos, ao subir o peixe de S. Alteza, inesperadamente se desarranjou e ficou encalhado. Todos os esforços foram em vão: o peixe permanecia na travessa, em baixo, na treva, entre rodelas de limão, "numa inércia de bronze eterno".
O peixe foi abandonado. Serviu-se Chateau-Lagrange (um bordeaux St. Julien); o Barão de Pauillac (peça de carneiro que compreende a sela e as duas coxas); champanhe, ortolan (caça fina); champanhe coalhado em sorvete.
O peixe foi abandonado. Serviu-se Chateau-Lagrange (um bordeaux St. Julien); o Barão de Pauillac (peça de carneiro que compreende a sela e as duas coxas); champanhe, ortolan (caça fina); champanhe coalhado em sorvete.
Saliva-se em “O Mandarim” e come-se bem com “O primo Basílio” ao lado do Comendador Acácio, uma figura poço de clichês que suplanta Blanchu, mas excelente garfo, figura ideal para comensais.
Em Eça vai-se às mesas eclesiásticas e episcopais onde se comem quitutes e quindins de arregalar, regados aos melhores Portos do Padre Amaro, um criminoso apenas na visão de sua época. Degustam-se ainda antigos e, pela descrição, saborosos pratos com as velhas tias de “A Relíquia”!
Em O Crime do Padre Amaro há um famoso jantar "todo cozinhado pelo abade de Cortegaça". Participaram o Padre Amaro, o Cónego Dias, o Padre Brito, o Padre Natário. Comemorava-se nesse jantar a comenda de “ Cavaleiro da Ordem de Santiago” outorgada ao Comendador.
O jantar, sucintamenrte descrito: "vasta terrina de caldo de galinha" ("sopa"); cabidela;"côdea de pão ensopado no molho"; ("a cabidela hoje saiu-me boa!... de tentar Santo Antão no deserto!"); "pires de pimentões escarlates"; "frescas malgas de azeitonas pretas"; vagens; broa; "nacos brancos de peito do capão recheado", um bocadinho de asa; vinho da Bairrada em "bojudas canecas azuis"; arroz-doce (o"arrozinho"); vinho do Porto de 1815, de que "não se bebe todos os dias", castanhas molhadas no vinho, pão torrado, café ("todos cambaleavam um pouco, arrotando formidavelmente"), cigarros.
Não saciado, vá até a “A ilustre casa de Ramires” e complete sua degustação mental. Mesmo sem fome, após alguns capítulos, você abrirá a geladeira, e, com nada parecido, vai procurar no catálogo uma confeitaria ou o restaurante mais próximo.
Em “Os Maias”, os criados serviram: ostras, vinho branco:;Bucelas; peixe; "sole normande"; vinho tinto: St. Émilion; poulet aux champignons; ervilhas em molho branco: petits pois à la Cohen; champanhe; ananases, nozes; café; chartreuses e licores e conhaque. O texto toma 24 páginas do romance.
Segundo estudiosos de Eça, em sua obra foram contadas: 603 citações de jantares, 235 almoços e 179 ceias!
Não bastasse isso e as descrições de costumes do século XIX, as tipologias antológicas e imperecíveis, o estilo elegante, a trama interessante digna de Holywood dos tempos áureos dos irmãos Gold e Meyer, ainda por cima Eça faz babar.
Tá sem fome? Leia Eça...