Eu tive medo daquela cidade
Que era só minha.
De minha tarde
onde o rio era o caminho,
a pedra: a ilha
e eu, seu rei.
Medo de passar pelo prado
E ver no céu, a dançar,
O espectro das pipas.
Medo do rastro fundo da bicicleta
A pisar nas flores dos anos,
De abrir o portão e ouvir o grito
Mamãe, cheguei.
Subir a escada
E topar com a irmã pequena
entretida com bonecas.
De entrar no quarto
E ver no guarda roupa
a roupa de pirata
Dançar a espada sobre minha cabeça.
Medo da estante
Cheia de mistérios.
Medo do porão
cheio de ancestrais.
Medo da cozinha
E seu fogão a lenha.
Atravessar o quintal
E destruir o equilíbrio mágico
Das fantasias no varal.
Subir ao disco da caixa dágua
E não ser reconhecido
Pelo marciano amigo.
Medo de romper os tímpanos
Com sons mortos há séculos:
Coma, menino
Meus parabéns,
Prá dentro, agora,
Vem tomar banho,
Hora da escola,
Olha a merenda,
Hora do almoço,
Teu pai já vem...
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(winston – Julho de 1980)