Dezembro, 8, era o dia de saída do internato para casa, para três meses de doce fazer nada. Julho passava muito rápido para contar.
E todo 8 de Dezembro, dezenas de anos depois, acende na memória uma chama de lembrança, não da vela oferecida em voto ao dia da Virgem Imaculada, mas de uma sensação de liberdade inexplicável em plena puberdade dos onze, doze, treze e quatorze anos. Quatro anos suficientes para uma reflexão forte, um engrama beliscando o inconsciente e uma tomada de posição consciente de não mais voltar.
Mas isso já é outra estória. Voltemos a 8 de Dezembro.
Quatro meses sem a família e de repente o esperado dia.
Quatro meses de obrigações rígidas e de repente o “dolce fare niente”.
Quatro meses de paisagem confinada e de repente o panorama.
Quatro meses de coleguismo e de repente os(as) coleguinhas.
Dia sete, a ansiedade total, a insônia, a angústia, a náusea, os planos e o medo, medo de a mãe não estar lá na portaria bem cedo a me esperar.
São oito horas da manhã do dia 8 e ela já telefonou perguntando por mim.
Dia oito, o relaxar, o encontro, o desencontro e o reencontro; os cheiros diferentes, a visão diferente, os novos sons, os sabores contrários, as emoções.
Nesse dia, dezenas e dezenas de anos depois, ainda sonho saindo pelo portão grande e barroco do Seminário da Prainha, levando de frente uma lufada de sonho e vento da praia de Iracema, protegido no alto pela efígie do Cristo Redentor me apontando o caminho e deixando para trás as crenças rituais, a fé nos ritos apostólicos romanos, mas sempre com um Deus cósmico no coração.
Nas noites do dia oito de Dezembro, abraço em sonhos meus pais falecidos, tomo a benção a tios que já se foram e beijo a mão da tia Vanda, a que me fazia belos bifes na chapa, tentando inutilmente me engordar, com a tia Guiomar sentada ao lado, a aprovar, fitando-me com seus grandes olhos de lago parado.