Nós acordamos e tentamos viver nossa realidade e pensamos que as realidades das pessoas que habitam o planeta dividem-se em classes, em castas, como a classificam os economistas e políticos: miseráveis, pobres, classe média, média-média , ricos e milionários.
Roland Barthes, um filósofo e escritor francês nascido em 1915 e falecido em 1980, acha que não. A idéia de realidade é absolutamente histórica e local. Há uma mistificação ocidental que tenta transformar as culturas pequeno-burguesas tentando lhe impingir uma natureza universal.
Barthes tem 27, (isso mesmo: vinte e sete!) livros traduzidos e editados no Brasil, ou seja, passou a vida pensando e escrevendo com muita substância, sem clichês e sem necessidade de apelar para parábolas com bruxas, duendes, mitos eslavos e outras queijandas vazias afins.
Seu mais famoso e lido livro “Mitologias” analisa os mitos modernos, os mitos que nos rodeiam e permeiam nossa realidade. Aqui o autor desnuda a pele de significados que envolvem as coisas de nossa vida diária e das sociedades do ocidente.
Assegura que não há mitos eternos e que as falas, em suas diversas formas, são mensagens míticas: escritas, discursos, fotografias, reportagens, espetáculos, representações coletivas e publicidade, tudo é suporte para uma fala mítica!
Interessante essa análise de Barthes: “o autor, compositor, pintor, escritor ou produtor cultural não tem passado pois nasce com o texto”, isto é, com sua produção cultural. É importante pensar isso, pois tenho ouvido por aí muita gente dizer, enchendo a boca de saliva preconceituosa, que não gosta da música de determinado compositor ou cantor porque ele parece ser homossexual, como se um cantor estivesse lhe cantando e não compondo ou cantando apenas uma música que em sua mensagem não tem nada a ver com o objetivo do preconceito. Já ouvi gente sobrepujar a beleza e perfeição de um quadro de Leonardo Da Vinci com um pensamento mítico de que ele era gay!
Da releitura das “Mitologias” extraí algumas pérolas:
Sobre Juizes: “...refugia-se na lei quando pensa que esta lhe é propícia e a trai quando lhe convém. Figuras imprevisíveis, logo, associais...”
Sobre a Ciência: “a ciência segue seus caminhos lógicos e racionais, depressa e bem. Mas as representações coletivas não a acompanham, mantendo-se séculos atrás, estagnadas no erro estimuladas pelo poder, pela mídia ou pelos valores da ordem”.
Sobre uma figura religiosa que recebeu o Nobel da Paz: “um álibi que as nações ocidentais lançam mão para substituir impunemente a realidade da justiça pelos signos e significantes da caridade!”
Sobre teatro e televisão: “... o que o público reclama é a imagem da paixão, não a paixão. Não existe aí o problema da verdade. O que se espera é a figuração inteligível de situações morais habitualmente secretas...”