Eis no que resultou: um ponto, um simples pixel do tamanho do pingo desse i, perdido no desenho de um braço de galáxia.
E nesse ponto nós viemos à vida e morremos, crescemos e lutamos, fazemos o amor e a guerra, nos ajudamos e nos destruímos, inclusive estamos tentando eliminar esse ponto do universo. O pixel que contém toda a história de uma criação, toda uma evolução de bilhões de anos, toda a história de nossa humanidade. Será que é isso que somos para Deus: nada mais que um pixel no desenho gigantesco de Sua criação? Entregues a nosso próprio destino nós é que devemos cuidar sozinhos desse microscópico ponto, um minúsculo lugar que nos cabe no infinito cosmos?
A sonda foi re-manobrada e continuou sua viagem sem fim rumo ao espaço, fotografando outros minúsculos pontos, maiores ou menores, mas para a imensidão do universo, apenas pixels.
Hoje, se é que ela não foi destroçada por meteoros, deve estar a uns vinte e tantos bilhões de kilômetros longe de casa. Atualmente, a Voyager 1 é o mais distante objeto a partir da Terra feito pelo homem, viajando a uma velocidade relativamente mais rápida que qualquer outra sonda ou foguete. Até 2015, deverá ter deixado completamente o Sistema Solar.
Baseado no "pálido ponto azulado" da foto, Carl Sagan escreveu, quatro anos depois, seu livro "Pale blue dot" , onde tece considerações semelhantes mas muito mais apropriadas, dignas de um cientista-filósofo moderno:
"Olhem de novo para esse ponto. Isso é a nossa casa, isso somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um dos que escutamos falar, cada ser humano que existiu, viveu a sua vida aqui. O agregado da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões autênticas, ideologias e doutrinas econômicas, cada caçador e colheitador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor de civilização, cada rei e camponês, cada casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada mestre de ética, cada político corrupto, cada superestrela, cada líder supremo, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu aí, num grão de pó suspenso num raio de sol.
A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pensai nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, vieram eles ser amos momentâneos duma fração desse ponto. Pensai nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores dum canto deste pixel aos quase indistinguíveis moradores dalgum outro canto, quão frequentes as suas incompreensões, quão ávidos de se matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios.
As nossas exageradas atitudes, a nossa suposta auto-importância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são reptadas por este pontinho de luz frouxa. O nosso planeta é um grão solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de algures para nos salvar de nós próprios.
A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que alberga a vida. Não há mais algum, pelo menos no próximo futuro, onde a nossa espécie puder emigrar. Visitar, pôde. Assentar-se, ainda não. Gostarmos ou não, por enquanto, a Terra é onde temos de ficar.
Tem-se falado da astronomia como uma experiência criadora de firmeza e humildade. Não há, talvez, melhor demonstração das tolas e vãs soberbas humanas do que esta distante imagem do nosso miúdo mundo. Para mim, acentua a nossa responsabilidade para nos portar mais amavelmente uns para com os outros, e para protegermos e acarinharmos o ponto azul pálido, o único lar que tenhamos conhecido."
(Carl Sagan)